Sobre aquilo que apenas os pais sabem sobre seus bebês

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O maior apetite do homem é desejar ser. Se os olhos vêem com amor o que não é, tem ser.

Manoel de Barros

Cada bebê é único, com gostos, preferências, desejos… só ele no mundo recebeu a história familiar que ele recebeu.

E, no interior dessa história, ele ocupa um lugar que é único na família.

Se ele é o primeiro filho, será sempre o primogênito e, ao nascer, terá recebido sonhos, expectativas e olhares que foram apenas para ele; se é o segundo, terá sempre esse lugar, e também terá recebido uma “bagagem” simbólica de seus pais, também única… levará sempre consigo essa história familiar à qual pertence… e a partir dela, irá também construir caminhos.

Desde esse lugar, que é apenas desse bebê, dentre todos os bebês do mundo, os pais (e às vezes outros adultos muito vinculados também) vão conhecendo-o de uma maneira muito particular.

Há coisas sobre aquele bebê que apenas os pais sabem, e esse saber é muito importante! São saberes sobre sua personalidade, preferências, gostos, vontades, que apenas a intimidade, vínculo e cuidado permitem acessar… e o bebê precisa que sua história possa ser contada com verdade e intimidade por alguém que lhe dedique todo o cuidado e amor.

Como ele gosta de dormir? Como ele gosta de tomar o banho, com muita água, ou pouca?

Ele gosta de escutar músicas? Quais?

O que o acalma mais facilmente? Quem o acalma?

Quais as preferências que começam a se desenhar nele?

O que tem lhe interessado mais nas últimas semanas?

O que o deixa muito bravo?

Quem na família ele lembra quando manifesta suas vontades?

Com certeza há muitas coisas que apenas os pais sabem a respeito dos filhos, construindo uma espécie de paleta sonora em que os pais vão compreendendo de maneira sensível o que seu bebê quer lhe contar, mesmo antes das palavras.

Pensar na diversificação da paleta sonora da criança é pensar nas pequenas diferenças de comunicação pré-verbal que os bebês mostram a seus cuidadores e que vão construindo os primeiros entrelaços entre pais e filhos.

Aqui entram os diferentes tipos de choro, os balbucios, os olhares e expressões da criança, a comunicação que ela faz com seu corpo, se encolhendo, se esticando… caretinhas…

Os gritos e suas pequenas nuances, às vezes com entonações diferentes que já tem significações distintas para os pais.

Às vezes é com a ajuda do dedinho que a criança se comunica, às vezes é o narizinho que revela um pedido…

Conforme a criança vai aumentando a diversidade dos pequenos sinais com os quais se comunica, as possibilidades de ser escutada e compreendida também vão se ampliando.

A mensagem do bebê vai ficando cada vez mais clara no sentido do que se quer comunicar.

O laço fica mais fortalecido entre criança e adulto… e conforme as conversas e brincadeiras vão acontecendo, o bebê irá se comunicar mais e mais…

E seu bebê? O que ele já lhe contou hoje? Muitas conversas e brincadeiras?

Tenho aprendido muito sobre a comunicação entre pais e filhos nos grupos terapêuticos da Entrelaços.

Especialmente no grupo terapêutico para famílias de crianças com desenvolvimento lento ou diferente (algumas com diagnóstico e outras não), tenho aprendido muito sobre a espera necessária para que as primeiras comunicações possam acontecer. Isso porque muitas vezes é preciso um tempo maior para que essas comunicações enlacem pais e filhos, abrindo espaço para um sentido compartilhado.

Mas, como ficam os pais diante da dificuldade de compreender seu filho (e de se fazer compreender por ele) quando a espera se prolonga por anos?

Muito difícil e doloroso, já que a comunicação entre pais e filhos é muito importante para fortalecer o vínculo e para que eles construam também seus lugares como pais. Isso sem falar sobre os olhares externos, as dúvidas e comparações.

Perceber o filho angustiado e irritado sem saber como acessá-lo para lhe consolar, faz parte da inauguração da comunicação, de algo que está sendo construído… mas quando se estende por muito tempo, leva muitos pais a se sentirem insuficientes, inadequados e muito angustiados.

Recentemente, em um atendimento em grupo, uma mãe compartilhou que, pela primeira vez, havia compreendido de maneira clara o pedido de sua filha de 4 anos, que não se comunica oralmente.

A menina estava lhe chamando a atenção pois queria que enchesse novamente sua colher para almoçar.

Sua colher estava vazia e ela chamava sua mãe!

Poder testemunhar conquistas como essa me ensina muito sobre a importância de sustentar a espera e de legitimar (no grupo) os novos olhares: a menininha passando a ser vista como uma criança que manifesta ativamente sua vontade, seus desejos, sua personalidade!

E de um jeito tão inteligente, pois já sabia a forma exata de capturar a atenção de sua mãe.

A maneira como mãe e filha se enxergavam parecia ter se transformado… de quantas maneiras essa criança se afetaria com a nova maneira que sua mãe a enxergava? E vice-versa? Novas possibilidades se inaugurando… e o grupo todo se emocionou – e eu também.

Uns dias depois, me lembrei de Manoel de Barros:

“O maior apetite do home é desejar ser. Se os olhos vêem com amor o que não é, tem ser.”

No cerne desse paradoxo, onde se inaugura a comunicação, onde é e não é ao mesmo tempo: o olhar, cuidado e escuta são fundamentais.

E, como terapeuta, reafirmo esse compromisso com cada família e suas crianças.

Com carinho,

Terapeuta Ana Payés

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